domingo, 31 de janeiro de 2016

A Copa do Mundo e o Cinema

Mais uma crônica de Amílcar Carneiro, dessa vez mostrando a relação do Cine Argus com o futebol. Era comum a formação de plateia em frente aos trilhos do trem para ouvir os jogos transmitidos pelos auto falantes do Argus. Os cinejornais e, mais tarde, os filmes com os melhores momentos dos jogos, atraíam grande público para o cinema de Seu Duca. Amílcar faz um passeio histórico interessantíssimo ao longo da história das copas do mundo, de 1930 a 2010, mostrando a relação entre o evento esportivo mais popular do planeta e o célebre cinema de Seu Duca. Mais uma curiosidade extraída das memórias de Amílcar Carneiro, em seus "Coisas de Cinema."

A Copa do Mundo e o Cinema

Por Amílcar Carneiro

A grande maioria dos habitantes do planeta Terra vive ligada em um evento que acontece a cada 4 anos, na Copa do Mundo de Futebol, competição criada por Jules Rimet, presidente da FIFA, no distante ano de 1930. O Uruguai, primeiro país sede, sagrou-se campeão. A “Celeste Olímpica” confirmava seu favoritismo desbancando os europeus e fazendo a final com a Argentina. Naquele tempo, o cinema, inventado pelos irmãos Lumiére já tinha conquistado o mundo, mas a televisão não passava de um embrião nas experiências do russo Vladimir Zworykin. Os jogos aconteciam e tempos depois chegavam as imagens nas telas dos cinemas por meio dos cine jornais. Em 1934 na Itália e 1938 na França, a “Esquadra Azurra” conquistou os dois títulos mostrando seu poderio. Em 1942 e 1946 foi imposta uma trégua ao futebol enquanto o mundo fazia sua segunda grande guerra. A competição só voltaria a ser disputada em 1950 no Brasil, copa que os brasileiros gostariam de esquecer, mas as câmeras estavam lá para registrar a grande tragédia do nosso futebol, Uruguai 2x1 Brasil em pleno Maracanã. Em 1954,na Suíça, a tragédia foi para a poderosa Hungria, do lendário Puskas, fortíssima candidadata ao título, mas que perdeu a final para a Alemanha Ocidental, a quem já tinha goleado nas oitavas de final.
Na primeira copa vencida pelo Brasil, em 1958, na Suécia, já havia uma estreita relação entre o Cine Argus e o futebol, pois era comum em dias de grandes jogos, os mais aficionados ficarem em frente ao cinema escutando o rádio que retransmitia através dos alto-falantes, os 90 minutos de partida.


Canal 100 e os principais acontecimentos do Brasil e do mundo.

Naquele domingo, 29 de junho de 1958, o  Argus exibia, em sessão matinal, o filme “O Bandoleiro da Cova do Lobo”,  e ao mesmo tempo retransmitia o jogo final entre Brasil e Suécia. De dentro do cinema ouvia-se o foguetório lá de fora, eram os mais fanáticos festejando os 5 x 2 que o Brasil aplicou na anfitriã revelando ao mundo o talento de Garrincha e Pelé entre outros. Meses depois, chegariam as imagens, três ou quatro  minutos dos melhores momentos de cada jogo, mostrados semanalmente nos dois principais jornais da tela: Fox e Atlântida. Qualquer que fosse o filme, as atenções se voltavam para o assunto do cine jornal, futebol.

Em 1962, no Chile, o Brasil foi bi campeão e as imagens chegaram não no cine jornal, mas em um filme exclusivo produzido pelos chilenos, era em preto e branco e mostrava todos os gols da copa e mais os melhores momentos da final em que o Brasil derrotou a Tchecoslováquia por 3 x 1. O filme foi um sucesso, a platéia aplaudia e comentava como se fosse ao vivo. Em 1966, na Inglaterra, os súditos da rainha queriam o título a qualquer custo, e conseguiram, foi produzido, também, um longa metragem a cores intitulado “Gol, A Copa do Mundo”. Mesmo com o Brasil desclassificado na primeira fase, valia a pena ver as belas imagens coloridas que a TV ainda não podia mostrar. Em 1970, ano do tri campeonato e última copa de Pelé, alguns estados do sul já assistiram ao vivo a competição do México, enquanto que  por aqui só assistíamos ao vídeo tape no final da noite ou no outro dia. Mesmo assim o filme produzido pelos mexicanos fez grande sucesso quando foi exibido no Cine  Argus. As imagens a cores e em câmara lenta em diferentes ângulos arrancavam aplausos da platéia. Na copa seguinte, na Alemanha ainda dividida, as transmissões diretas e a TV a cores davam os primeiros sinais de concorrência ao cinema. Em dias de jogos do Brasil o Argus ficava vazio, às vezes nem tinha projeção, também não houve mais interesse em exibir o filme da copa.
Em 1978 na Argentina, 82 na Espanha, 86 no México e 90 na Itália, era evidente o domínio da televisão, os cine jornais já não eram mais nem produzidos, os filmes das copas eram vendidos ou locados livremente em VHS ou DVD. Em 1994 quando o Brasil conquistou o tetracampeonato no EUA, quase todos os cinemas do interior já tinham fechado as portas, o Argus agonizava, fecharia no ano seguinte sem testemunhar o fiasco de 1998 na França nem o sonhado “penta”, conquistado em solo asiático no ano de 2002, primeira copa disputada simultaneamente em dois países, Japão e Coréia.
Na copa de 2006, de novo em solo alemão, a Itália ganhou seu quarto título, a televisão mostrou em todos os ângulos possíveis a cabeçada mais famosa da história, infelizmente não foi na bola, mas no adversário, e manchou a brilhante carreira de Zidane, astro francês que em duas copas atrapalhou o sonho brasileiro de conquistar mais um título.
 Na atual copa na Africa, primeira naquele continente, a televisão dá um verdadeiro show na transmissão dos jogos. Gruas, câmaras fixas, móveis  e portáteis passeiam pelas quatro linhas do gramado e pelo teto dos modernos estádios levando as melhores imagens, ao vivo, para todo o planeta, coisa inimaginável até pelos visionários Jules Rimet, Wladimir Zworykin e os irmãos Louis e Auguste Lumiére.
Na próxima copa do mundo, em 2016, que volta a ser disputada na América do sul, exatamente aqui no Brasil, não será de estranhar se jogadores e árbitros trouxerem embutida no uniforme, uma câmera, algo do tamanho e peso de um botão, capturando incríveis imagens de alta definição que serão mostradas em aparelhos de TV de última geração, com “tela de cinema”.  

Publicado originalmente na Revista Independente, em 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário