sábado, 27 de agosto de 2016

O Telegrafista

Era preciso ser muito apaixonado por cinema, como Seu Duca, para assumir o desafio de manter um cinema funcionando em uma cidade pequena do interior do Norte do país. Não era tarefa fácil garantir uma programação de qualidade, ainda mais considerando que a partir da década de 70 já não se tratava mais de um único cinema, mas de um circuito cinematográfico que continha cerca de 30 salas de exibição no Nordeste Paraense, no Marajó, nas áreas dos grandes projetos e até em cidades fora do estado (Macapá/AP e Imperatriz/MA). Contudo, a paixão e o empreendedorismo de Seu Duca não seriam, sozinhas, suficientes para cumprir a contento esse desafio. A lista de pessoas que colaboraram com o trabalho dele é enorme. Muita gente não só teve sua vida marcada pelo Cine Argus, como também marcou a história de nosso cinema, pelas contribuições prestadas ao mesmo.

É o caso de Othon de Oliveira e Souza, agente da Estação Ferroviária de Castanhal e telegrafista da estrada de ferro de Bragança. Muito prestativo, ele telegrafava para Belém para agilizar a chegada dos filmes pelo trem. A população castanhalense aguardava ansiosa pela chegada dos filmes em cartaz e Othon ajudava a garantir a programação por meio de seu trabalho.


Othon de Oliveira e Souza (Foto: 1964. Acervo pessoal de Maria da Conceição Sousa Jacome)

Estação Ferroviária de Castanhal (Foto: acervo Família Carneiro)

 Othon de Oliveira e Souza (Foto: 1978. Acervo pessoal de Maria da Conceição Sousa Jacome)

Nascido em 23 de abril de 1917, Othon estaria completando 100 anos em 2017.Essa história foi gentilmente relatada e cedida para nosso blog e fanpage pela filha de Othon, Maria da Conceição Sousa Jacome, castanhalense que hoje reside em Minas Gerais. 

E você, também conhece uma história interessante? Manda pra gente. Teremos prazer em publicá-la!

domingo, 21 de agosto de 2016

Os Namoros no Cine Argus

Quem nunca teve o prazer de namorar no escurinho do cinema? O Cine Argus foi palco de grandes histórias no telão e também na vida real. Muitos namoros começaram dentro do Cine Argus. Alguns viraram até casamento. Outros, não, mas como diria Vinícius de Morais, foram eternos enquanto duraram. E alguns foram mesmo só uma curtição. Não interessa. Duradouras ou passageiras, no meio da plateia ou na privacidade do balcão (ala superior do cinema, nos fundos da sala, abaixo do projetor, normalmente procurada pelos casais), queremos resgatar essas histórias e registrar aqui no blog.

E para abrir as histórias de amor no Cine Argus, o bancário aposentado Raimundo Conor fala sobre o namoro escondido com a atual esposa Ana Maria, na década de 70. Para levar a namorada ao cinema, Raimundo era obrigado a levar também o cunhadinho de apenas 2 anos, Júnior. E a noite nem pensar. Só podia matinê. A presença do Júnior era para não permitir o namoro, pois a criança era de colo. O garoto de fato atrapalhava, pois dormia a sessão inteira, mas isso não impedia que os beijos do casal rolassem a vontade.
Ana Maria e Raimundo Conor (namoradinhos do Cine Argus nos anos 70)

E você, tem também uma história de amor vivida no Cine Argus? Conta pra gente, que a gente publica!

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Os "Fecha Cinema"

E, encerrando a série de crônicas de Amílcar Carneiro, uma crônica sobre... encerramento. Ou sobre os "fecha cinemas", termo utilizado por Seu Duca para designar todos aqueles que, de alguma forma, contribuiam para o fracasso ou fechamento de uma sala comercial. Dá imaginar a repulsa do criador do Cine Argus pelo fechamento de uma sala de exibição.

Os "Fecha Cinema"
Por Amílcar Carneiro


Um termo muito usado pelo papai era: “fecha cinema”. Assim ele chamava tudo ou todos que, de alguma forma, contribuíam para que alguma coisa desse errado ou atrapalhasse a exibição de um filme, ou a freqüência de um cinema. Se um funcionário fizesse uma placa malfeita, ele era um fecha cinema e a placa, uma placa de fechar cinema. A lista de fatos e pessoas era longa. Propagandas mal feitas, títulos de filmes ou nomes de atores mal pronunciados simplesmente se transformavam em propaganda de fechar cinema ou pronúncia de fechar cinema.
Sabá, funcionário de Castanhal, era um projecionista de fechar cinema, tal era sua constância em deixar a tela escurecer ou desfocar ou, ainda, a fita ficar fora de quadro. Mário Sena, outro antigo projecionista, por sua vez, era um fecha cinema, mas na função de porteiro. Raimundo, apelidado de “Ri na Chuva” sobressaia-se  com esta qualidade negativa quando fazia propaganda volante.
Pouca gente escapava do olhar arguto e exigente do “seo” Carneiro. Grande parte de seus gerentes foram exímios “fecha cinemas” Até o velho Etelberg, fiscal do IBGE que se prostrava na porta em pose de derrotado, foi alvo do senso crítico e observador do papai, para quem a postura do inofensivo fiscal espantava a freguesia.
Até proprietários de cinemas eram agraciados com o codinome. E realmente fizeram jus a isso, pois não conseguiam manter seus cinemas funcionando por muito tempo, pela maneira errada como trabalhavam. O “seo” Vavá, de Santa Isabel, fechou e reabriu várias vezes o Cine Palace. O Rui, de Igarapé Açu, também vivia fechando as portas. Ribamar Rosa, de Bragança, Lourdes Bogéa, de Imperatriz, Walter Banhos, de Macapá e Renato Furtado, de Breves. Todos esses fizeram jus à profética frase do papai: “aquele não  vai agüentar muito tempo, é um fecha cinema”.
Mas o grande “fecha cinema “ da história chamou-se EMBRAFILME. A estatal criada, supostamente, para defender os interesses da produção cinematográfica nacional, criou normas e leis que só atrapalhavam os exibidores. A Lei de Proteção ao Cinema Nacional poderia muito bem se chamar Lei de Perseguição aos Exibidores. Essa lei obrigava os cinemas a exibir filmes de curta metragem em todas as sessões antes do filme principal. Eram filmes de baixa qualidade que espantavam o público dos cinemas. Quando esses filmes começavam, depois do cine-jornal, muitas pessoas se levantavam e iam para a sala de espera. Os que ficavam no salão vaiavam, alguns esperavam do lado de fora e só compravam o ingresso quando o curta-metragem terminava.
Outra lei que deu muita dor de cabeça a exibidores de todo o Brasil foi a lei de Obrigatoriedade do Filme Nacional. Os cinemas eram obrigados a exibir filmes brasileiros em 28 dias por cada trimestre de exibição. Se o filme fosse de grande bilheteria (como era o caso dos filmes dos Trapalhões) só eram contados dez dias, mesmo que o filme, por exemplo, ficasse em cartaz por três ou quatro semanas. Este controle era feito por meio de mapas que o exibidor tinha que mandar a cada três meses, para a Embrafilme.
No ano de 1974, o Cine Independência, em Belém, já quase fechando as portas, amargou nos últimos três meses do ano exibição diária de filmes brasileiros sem um espectador sequer para assistir as sucessivas “bombas” que foram apresentadas.
O mesmo aconteceu com os cinemas Ópera e Moderno. O Ópera conseguiu sobreviver transformando-se em cinema pornô. O Moderno fechou junto com o Independência e ambos pertenciam aos irmãos Cardoso, antigos exibidores de Belém (que fundaram a distribuidora Cardoso & Lopes) que, assim, saíram do ramo.
A Embrafilme mantinha também escritórios de distribuição de filmes. A lista de seus filmes disponíveis era imensa, quase todos de péssima bilheteria e o exibidor era obrigado a digerir tudo. Na grande maioria das vezes, pagava-se o aluguel mas não se exibia o filme, pois assim o prejuízo seria menor.
Outro problema eram os ingressos padronizados. Caríssimos, pois eram cobrados sobre o valor de venda ao público e não podiam ser reaproveitados, tinham que ser rasgados no momento em que eram recebidos do espectador. Mas as reutilizações eram inevitáveis e ai surgia novo problema. Os fiscais da Embrafilme chegavam sempre na surdina e com ameaças: “vamos fechar esse cinema” , “vamos acabar com essa empresa só em multas”  e outros tipos de ameaça. O próprio presidente da Embrafilme, Roberto Farias, disse a seguinte frase: “a raça mais safada do Brasil é o exibidor”.
Certa vez, no escritório da Embrafilme em Belém, o chefe dos fiscais, de sobrenome Conde, exibia orgulhoso uma série de autos de infração feitos por ele no Cine Ipiranga, de Icoaraci. As irregularidades apontadas eram as seguintes: rodízio de ingresso, exibição de trailer de censura 18 anos antes de um filme de censura 10 anos; falta de exibição do curta metragem e finalmente a exibição de um trailer que não constava da programação previamente liberada pela Embrafilme. Tudo isso com multa dobrada por serem infrações reincidentes, segundo o fiscal. Para encerrar, ele me falou com grande orgulho: “dessa vez eu fecho aquele cinema, tenho fé em Deus”.
Mas a Embrafilme também fechou. No inicio dos anos 90, seu escritório de Belém funcionava precariamente no sótão de um prédio público onde, por muito tempo, funcionou a Escola Técnica e depois a Delegacia do MEC. Lá estive pela última vez a chamado do último funcionário que ainda estava por lá, só aguardando ordens para o fechamento definitivo. Ele era de Belo Horizonte e ia ser remanejado para algum outro órgão federal em Minas Gerais. Me ofereceu várias cópias de filmes que haviam sido apreendidos e, também, algum material de escritório. Pouca coisa me servia e nem os filmes interessavam mais. Numa conversa rápida ele falou que estava em dificuldades financeiras, confessando-se arrependido de ter prejudicado e até fechado tantos cinemas, inclusive alguns do nosso circuito. Pediu dinheiro emprestado e mil desculpas. Eu lhe arranjei o dinheiro e nos despedimos. A Embrafilme logo encerrou de vez suas atividades. Alguns anos depois eu segui o mesmo caminho.
Cine Argus na década de 90. Em exibição "Os Cavaleiros do Zoodíaco", semanas antes do fechamento do cinema (foto: autor desconhecido).

domingo, 14 de agosto de 2016

O Historiador no Berço

Hoje é aniversário de Rafael Santos, um dos membros da equipe de produção de O Cinema de Seu Duca. Mestre em História Social e professor de História da UFPA, Rafael participou das pesquisas históricas sobre o Cine Argus, fundamentais para a realização do documentário.

FELIZ ANIVERSÁRIO, RAFAEL!!!!

 

sábado, 13 de agosto de 2016

De Volta ao Cine Argus

O Cinema de Seu Duca já tem data de estréia: dia 27 de outubro de 2016, às 19h... no Cine Argus!

É isso mesmo. A primeira exibição do filme será na fachada do prédio onde o inesquecível cinema de rua de Castanhal funcionou durante seis décadas ininterruptas. O Cinema de Seu Duca receberá uma sessão de gala, ao ar livre, em plena Avenida Barão do Rio Branco. A população de Castanhal pode se preparar para receber agradáveis surpresas.

Para que isso aconteça, haverá uma equipe trabalhando para que a cidade receba um lançamento inesquecível. Ontem, ocorreu a primeira reunião de trabalho, e podemos ver na foto a empolgação com que os participantes estão abraçando a tarefa de divulgar a história de Manoel Carneiro Pinto Filho (Seu Duca) e do Cine Argus.
Da esquerda para a direita: Amílcar Carneiro, Mário Sena, Inácia Thury, Edivaldo Moura, Ana Maria, Marta Carneiro, Riceles Costa e Raimundo Conor (sentado). Foto: Regina Conor.

Enquanto o curta Memórias do Cine Argus focou na história desse cinema especificamente, o longa-metragem O Cinema de Seu Duca remonta mais ao passado ao contar a história do menino Manoel (Duca), em Bragança, que em meio a dificuldades econômicas e familiares, sonhava em ter um cinema. E acabou criando um circuito cinematográfico no interior paraense, Imperatriz e Macapá, chegando a mais de 30 salas de exibição. O documentário bem que podia se chamar Os Cinemas de Seu Duca.

E sobre a equipe animada acima, ainda não está completa. Alguns nomes de peso ainda se somarão a mesma. E está aberta a quem quiser colaborar.

Marque o dia 27/10/2016 na sua agenda. Depois de 21 anos, teremos uma noite inesquecível... de volta ao Cine Argus!