sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O Cine Argus e sua Memória

Vejam o excelente artigo de José Carneiro, jornalista e filho de Seu Duca, colunista do Jornal O Liberal, que foi publicado na edição desse jornal neste dia, 14 de outubro de 2016. 

O Cine Argus e sua Memória

Por José Carneiro

Cine Argus, 1960. Prédio onde nasceu José Carneiro e outros de seus irmãos.

Eu nasci, literalmente, dentro de um cinema. Quando falo sobre  isso, alguns amigos pensam, sem trocadilho, numa encenação da minha parte. Não é nada disso. Por contingências familiares, meu pai improvisou moradia na parte superior do Cine Argus, o cinema que havia dez anos, desde 1937, ele tentava consolidar em Castanhal. Nasci nesse recinto, em plena exibição de filmes. Não só eu, mas também outros três irmãos. Certamente não foi por isso que me tornei um cinemaniaco, da mesma forma que os meus nove irmãos, todos como eu nascidos em Castanhal. Ao mesmo tempo em que fomos alfabetizados pelas freiras italianas do  Colégio São José, vivíamos ligados ao mundo mágico das imagens que a tela do Cine Argus apresentava diante dos nossos olhos maravilhados.

Meu pai faleceu em 1982, aos 64 anos, em um confuso acidente de trânsito na Belém-Brasilia, sem testemunhas e no qual ele foi a única vítima. O Cine Argus, por sua vez, sobreviveu até o ano de 1997, quando soçobrou na crise que se abateu sobre a exibição cinematográfica em todo o mundo, isso depois de quase meio século de atividades marcantes na vida de Castanhal. Nesse meio século, o Cine Teatro Argus, como meu pai o batizou, serviu de espaço para convenções políticas, diplomações escolares, reunião com autoridades, plenárias sindicais, festas dançantes, peças teatrais, cordões juninos e apresentações de artistas famosos e iniciantes. Sem contar, obviamente, com a exibição de filmes, cujos principais episódios fazem parte de um livro que estou concluindo sobre a exibição cinematográfica no interior do Pará. Assim era e foi o Cine Argus, do qual me orgulho e me emociono, quando lembro de sua história.

Neste mês de outubro, pelas mãos e visão do cinemaniaco Edivaldo Moura, a história do Cine Argus vai ser contada em meio a um especial evento em Castanhal. Edivaldo Moura produziu e dirigiu um curta metragem, "Memórias do Cine Argus", já premiado em vários festivais no Brasil. Agora, com o apoio da Pro-reitoria de Extensão da UFPA, transformou aquele curta no longa "O Cinema de Seu Duca", que terá lançamento especial no dia 27 de outubro, em frente ao prédio onde por meio século funcionou o Cine Argus. O cineasta castanhalense Edivaldo Moura foi um dos inúmeros habitantes de Castanhal que encontrou, no Cine Argus, um local de lazer e de cultura, do qual nunca se desapegou ou esqueceu. Com ajuda da minha família, reuniu fotos e cenas inéditas, além de entrevistas ao vivo, para compor o curta e o longa metragem que aprofundarão o imaginário dos que viveram o auge daquele cinema e de tantos que o conhecem ou vão conhecer apenas de ver ou ouvir falar. 

O autor desse trabalho tem dito, pelo país afora, que o Cine Argus foi um marco na sua vida, motivo pelo qual ele fez questão de homenagear o cinema que lhe fez tanta companhia. No dia 27 de outubro, as 19 horas, na Avenida Barão do Rio Branco, de Castanhal, o Cine Argus voltará a brilhar, ainda que apenas na imagética. A minha família agradece, especialmente minha mãe, Nila Queiroz Carneiro que, aos 96 anos, não poderá desfrutar da alegria que tamanha memória nos causa. Certamente choraremos e riremos em seu nome, lembrando de tudo o que ela viveu, ao lado do seu Duca, meu pai e do Cine Argus. Por tudo isso, acho que posso, em nome de Castanhal e seus habitantes, e da minha familia, agradecer profundamente ao Edivaldo Moura pela dedicada obra. E à cidade, pela interação com o Cine Argus de ontem, na lembrança de hoje. Grato a todos, eternamente!

José Carneiro e sua sobrinha, Marta Carneiro.

6 comentários:

  1. NÃO NASCI NO CINE ARGUS,
    mas certamente ali nasceram meu caráter e minha personalidade cinéfila. Lá dentro, no clima do escurinho, do medo e a euforia, da adrenalina explodindo. Foi lá, indo religiosamente aos domingos na matiné e depois mais adolescente no programa duplo noturno. Foi no Cine Argus que viajei pelo mundo, dos faroestes matadores de peles vermelhas,. ao film noir e a nouvellle vague europeus. Foi no Cine Argus que vi Teorema de Pasolini, Noites de Cabiria de Felini. Foi no Cine Argus que vi Mazzaropi, as Chanchadas da Atlântida, o surrealismo cruel de Glauber Rocha. Foi no Cine Argus que conheci o cinema japonês e passei admirar o povo maravilhoso do outro lado do mundo. Foi no Cine Argus que vivi meus primeiros namoros. Foi no cine Argus que conheci a sinfonia numero 40 de Mozart. Foi no cine Argus que vi mais de 20 vezes Nascimento Vida Paixão e Morte de Jesus Cristo (nunca entendi como o nazareno morria, renascia e não aprendia fugir das porradas e crucificações que todo ano lhe eram impostas pelos romanos. Enfim, eu ficaria aqui desfiando minha vida vivida entre 7 e 17 anos, pelas imagens do Cine Argus minha espécie de CINEMA PARADISO. Cine Argus, memória viva da minha infância e adolescência. Chorei quando soube de seu fechamento. E sei o quanto a cultura castanhalense perdeu. Até hoje sonho com a belíssima trilha sonora que anunciava o inicio das sessões do Cine Argus.

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  2. Qual o nome da musica que servia de trilha sonora para o inicio das sessões do Cine Argus?

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  3. Fernando, que depoimento massa, cara! Obrigado por partilhar. O relato e tão interessante e o texto, tão bem escrito que daria muito bem uma postagem. Se estiver interessado, e so mandar uma bela foto e uma breve descrição sobre você, que publicaremos com prazer. Abraços!

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  4. Parabéns, José Carneiro, pelas belas palavras e pelas belas lembranças. Parabéns e obrigada Edivaldo Moura, por nos proporcionar tamanha emoção em reviver uma parte do que foi o Cine Argus para Castanhal. Grande abraço.

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