terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Nascido em Dia de Faroeste

É difícil falar de Cine Argus e não falar de Amílcar Queiroz Carneiro. Quinto dos dez filhos de Manoel Carneiro (Seu Duca) e de Nila Carneiro, Amílcar trabalhou ativamente no cinema do pai e assumiu a gerência do circuito de exibição da Empresa Argus quando o mesmo faleceu, vítima de acidente de trânsito, em 1982. Desse ano até o fechamento do Cine Argus em 1995, Amílcar foi o programador do antigo cinema de rua de Castanhal e de dezenas de outros do interior do estado e de Imperatriz (MA) e Macapá (AP), que faziam parte do circuito exibidor do qual o cinema de Castanhal era a principal sala.

Considerado a principal referência para quem pesquisa sobre o Cine Argus, Amílcar foi o primeiro entrevistado de nosso documentário. As histórias são tantas e tão interessantes´que foram necessários três dias de entrevistas e horas de gravação para registrá-las, nos anos de 2012 e 2014. Somente suas entrevistas já daria um filme. Responsável pela guarda do rico acervo de fotografias histórias de Castanhal e dos empreendimentos cinematográficos da família Carneiro, sua colaboração foi fundamental para a realização do Memórias do Cine Argus. A maior parte das imagens de arquivos utilizadas são do acervo da família Carneiro.

Amílcar Carneiro em Memórias do Cine Argus (2012)

Amílcar Carneiro em Memórias do Cine Argus (2014)  

Todos os filhos do casal Duca e Nila foram profundamente influenciados pela sétima arte e possuem uma relação forte com o cinema. Amílcar foi exibidor e hoje é documentarista, tendo produzido, dentre outros filmes, os premiados "Salve Maria" e "O Grito da Mãe Grande". O irmão Chico Carneiro, que mora em Moçambique, é cineasta. Na entrevista concedida em 2012, Amílcar fala que o casamento da família Carneiro com o cinema começa com o seu pai e nos conta um pouco da saga de Seu Duca e da parceria com Paulo Cavalcante na fundação do Cine Argus.

"Meu pai contava a história de que ele era balconista na mercearia de Seu Anastácio, nas imediações da estação. E o seu Anastácio também tinha um galpão nos fundos, que um cidadão vinha esporadicamente, passava os filmes, mas o Seu Anástacio não acreditava no negócio. Não era muito entusiasmado, apenas alugava o barracão. E essa pessoa vinha também com dificuldade. E o papai ajudava muito, limpava o salão, ia pra bilheteria, fazia qualquer negócio pra exibir filmes. Ele queria é ta próximo do projetor de cinema. Então, ele se dispunha a trabalhar de graça pra ver aquele cinema funcionando. Que acabou não funcionando por muito tempo. Esse cidadão desistiu. Aí, tempos depois apareceu outro. Esse sim era um exibidor apaixonado igual o papai. Era Paulo Bezerra Cavalcante. Chegou em Castanhal também com o intuito de exibir filmes e por coincidência a primeira pessoa que ele encontra é meu pai na mercearia do Seu Anastácio, que já foi dizendo que tinha um galpão lá atrás, que era só fazer uma limpeza. Então, acabaram se associando (...) meu pai fazia a limpeza do salão, os preparativos, fazia a divulgação do filme que ia passar. As vezes, a divulgação se resumia a “hoje tem filme”, porque não sabia qual era o filme (RISOS) O Paulo Cavalcante desistiu também, aí o papai alugou a máquina, o projetor, pra ficar exibindo filmes, ele nunca mais parou (...) e aí, desse galpão do seu Anastácio, quando encerrou, ele passou a trabalhar por conta própria, alugando um prédio perto da prefeitura, onde o Cine Argus funcionou um tempo (...) o Cine Argus no endereço definitivo é a partir de 1944. Papai conseguiu um empréstimo com o cunhado dele, Seu Lins, que era comerciante em Castanhal, comprou um terreno e construiu o cinema. Barracão de madeira, só a frente que era de alvenaria, mas já com estilo de cinema, com declive no piso, cabine de projeção, que é aquela foto antiga, clássica, tradicional do cine argus da década de 40, que nós temos. Ali o cine argus funcionou até fechar em 1995".

Amílcar nasceu em 1948, poucos anos depois da inauguração do prédio definitivo do Cine Argus, onde sua família morou nos altos, por muito tempo. "Minha relação com o Cine Argus é umbilical. Eu nasci lá. Meu pai quando casou com minha mãe, morava no cinema. Então, os cinco primeiros filhos nasceram lá, na cabine", conta. "Teve o nascimento de um irmão meu, e tava tendo projeção e a mamãe não podia gritar pra não atrapalhar a plateia lá, né. E tava naquela expectativa de chegar a parteira, e a mamãe aumentando as dores e o pessoal dizia 'calma que ta pra terminar o filme', e depois 'já terminou, o pessoal já saiu!' e ela começava a gritar", Amílcar relembra aos risos. O nascimento do entrevistado não foi diferente. "E eu nasci lá dentro. Mamãe diz que tava passando um filme de faroeste, que o barulho era grande de tiro e o pessoal aplaudindo e tal, ela pôde gritar mais um pouco, a vontade. Talvez por isso que eu gostava tanto de filme de faroeste".

Prédio definitivo do Cine Argus, na década de 40, nos altos do qual morava a Família Carneiro.


Das peripécias de Seu Duca em passar os mesmos rolos do filme A Vida de Cristo nas cidades de Castanhal e Santa Izabel simultaneamente, à exibição de filmes para a colônia japonesa, passando pelas sessões pornográficas, o show de calouros do Capiti, a ampliação do circuito exibidor da Empresa Argus, a concorrência com a TV e com o VHS, até chegar ao fechamento dos cinemas de rua, as histórias sobre o Cine Argus são muitas e variadas. E tantas que nos anos de 2006 e 2007 Amílcar escreveu algumas crônicas para a Revista Independente, em uma coluna chamada "Coisas de Cinema", na qual contou diversos causos do inesquecível cinema de rua de Castanhal. 

Para quem leu e gostaria de rever ou para quem não teve a oportunidade de ler essas crônicas, passaremos a publicá-las todas aqui no blog, semanalmente. Oportunidade para conhecer um pouco mais das histórias de nosso saudoso cinema, contadas por uma das principais (se não a principal) memórias do Cine Argus. 

Vem aí, em nosso blog: Coisas de Cinema, com Amílcar Carneiro!

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