domingo, 27 de março de 2016

O Artista Morre no Fim?

Quem nunca fez ou ouviu alguém fazer essa pergunta? Em mais uma crônica sobre o Cine Argus, Amílcar Carneiro conta como que os espectadores do cinema de Seu Duca lidavam com essa questão capaz de fazer um filme cair no gosto ou desgosto do grande público.

O Artista Morre no Fim?...


....Essa era uma das perguntas embaraçosas que os frequentadores do cinema costumavam fazer. Se a resposta fosse sim, a réplica vinha na hora:
- então não presta. Lá ficava o sentimento de culpa por ter perdido um freguês. Se a resposta fosse não, vinha um complemento duvidoso:
- será que presta?
- presta!
- tu é filho do dono vai já dizer que não presta! Assim, desde cedo todos nós lá em casa aprendemos com nosso pai, dono de cinema, que a melhor resposta era dizer não sei. Na dúvida, podia ser que o cidadão ficasse curioso e viesse assistir o filme.
Desde minha infância e adolescência, nos anos cinquenta e sessenta, convivi de perto com essa situação. Vizinhos, amigos de rua, colegas de escola, todos tinham essa curiosidade em saber se o principal artista do filme, o “Mocinho”, morria. Alguns só iriam ver o filme se o artista não morresse. Eu, ao contrário da maioria, gostava dos filmes em que o artista morria no final. Pra mim era a confirmação de que ele era realmente um herói. Filme de guerra então era muito comum o artista principal morrer, fato que fazia muita gente não gostar de filmes de guerra. Já os outros gêneros como western e policial, o mocinho sempre saía incólume, comédia então não morria ninguém, no máximo o vilão era humilhado sem sofrer sequer um arranhão, fazia parte da “corretíssima política de Hollywood” Eu tinha um colega no curso primário que não perdia um filme. Ele era um dos que não admitiam em hipótese nem uma que o ator principal morresse. Se isso acontecesse é porque não era o ator principal. Nós discutíamos até não sobrar mais argumentos e ele irredutivelmente afirmava que o artista principal nunca morre. Certa vez, já nos anos oitenta, reencontrei esse amigo que ha anos não via. Depois de muita conversa e algumas cervejas voltamos a tocar no assunto que ele continuava a gostar muito, cinema. Discutindo de novo nossa velha e divergente opinião sobre a morte do ator principal. Ele continuava irredutível, eu citei vários filmes em que o artista principal morria, e ele sempre contra argumentava citando o nome do verdadeiro ator principal na opinião dele.

Citei O Cangaceiro, em que Alberto Ruschel morria no final. Ele disse que o artista era o Milton Ribeiro.
-Beau Gest, Gary cooper morre no fim.
- Mas o principal era o Ray Miland.
-A Ponte do Rio Kway, Alec Guiness morre
-Pra mim o principal era o William Holdem disse ele
-Acorrentados, Tony Curtis morre.
- O principal era o Sidney Poitier
- O Mar é o Nosso Túmulo, Clark Gable morre.
- O principal era o But Lancaster, afirmou ele.
- El Cid, Charton Heston morre no final.
- Ali quem era principal era a Sofia Loren.
- Perdidos na Noite? Dustin Hofman morre.
- Aquele o principal era o John Voigt.
- E o Marlon Brando em O Poderoso Chefão?
- O principal era o que fazia o papel de filho dele, o Al Pacino.
Sem mais argumentos que o convencesse eu apelei: E “A Vida de Cristo”? Vai me dizer que o ator principal era o Poncio Pilatos?
- Bom, esse aí parece que é o único filme que o artista principal morre no fim, é por isso que eu nunca assistí.

Amilcar Carneiro em 13/12/2002

domingo, 6 de março de 2016

O Camarote dos Cardoso

Arquimimo Cardoso, popularmente conhecido como Mimo, nasceu ao lado do Cine Argus. Os quintas das residências das famílias Cardoso e Carneiro eram interligados um ao outro e a convivência entre as mesmas era intensa.

"Minha infância toda foi ao lado do cinema, que veio a me influenciar culturalmente, veio também a contribuir na formação do meu caráter, pois a gente convivia com a família Carneiro, que eram os donos do cinema e era uma família que sempre teve a vanguarda da cultura em Castanhal", relembra. Arquimimo recorda que, por ser vizinho do cinema, teve a possibilidade de ir ao cinema nas sessões noturnas com 10 anos, o que não era possível a outras crianças que moravam longe. Foi frequentador assíduo do Cine Argus e hoje é uma das pessoas com mais registros sobre o cinema de Seu Duca. 

A amizade cultivada pelas duas famílias permitiu aos membros da família Cardoso um privilégio: assistir aos filmes do Cine Argus de "camarote". Até os anos 60, o prédio do Cine Argus era feito de madeira, com exceção da fachada, que era de alvenaria. As janelas do cinema eram baixas, o que permitiu à família Cardoso, com a conveniência do vizinho e amigo Manoel Carneiro (Seu Duca) fazer uma arquibancada no quintal, da qual era possível assistir aos filmes do Cine Argus à noite.

O relato de Arquimimo engloba a criação do Cine Argus em 1938 por meio da parceria entre Seu Duca e Paulo Cavalcante, as mudanças de prédio, os gêneros favoritos, o show de calouros do Capiti, as sessões para a comunidade japonesa, as vendas dos quitutes em frente ao cinema, os filmes eróticos, as crises, a expansão do circuito exibidor, o falecimento de Seu Duca e o lamentável fechamento do Cine Argus. Muitas histórias são contadas por Arquimimo, que possui uma memória do cinema de Castanhal repleta de detalhes. O zelo pela história do cinema de Castanhal é tão grande que o mesmo possui uma hemeroteca sobre o Cine Argus, repleta de recortes de jornal com notícias sobre o mesmo. A mesma foi gentilmente disponibilizada para nosso documentário.

Vários desses relatos estão em nosso documentário de curta-metragem. Outros deverão ser acrescentados à versão estendida que será apresentada ainda neste mês de março.

Arquimimo Cardoso aos 12 anos. Garoto de sorte, assistia aos filmes do Cine Argus na arquibancada de seu quintal

Arquimimo Cardoso, em Memórias do Cine Argus (2014)

quinta-feira, 3 de março de 2016

Vai com Deus, Ademar!

É com enorme pesar que comunicamos que nesta quinta-feira, dia 03 de março de 2016, faleceu Ademar dos Santos, projecionista e técnico do Cine Argus, um dos principais braços de Seu Duca em sua saga de levar o cinema ao interior do estado do Pará e a alguns estados vizinhos.

Ademar recebeu o diretor de nosso documentário com muita alegria e nos brindou com depoimentos incríveis. Curioso e apaixonado por cinema, assim como o patrão e amigo (a quem considerava um segundo pai), o depoimento do técnico da Empresa Argus foi comovente e nostálgico. Ouvir suas histórias reforçou a mensagem do filme: nada substitui uma sala de cinema.

Além de sua participação em nosso filme, fizemos uma post toda especial sobre ele em outubro, onde estão registradas algumas histórias inusitadas, como a do dia em que o Cine Argus estava sem filmes para exibir no Natal e Ademar remendou diversos pedaços de película e inventou um filme para não perder a bilheteria do dia.

Mais um protagonista da história do Cine Argus que nos deixa (em janeiro perdemos nosso querido José Tavares). Felizmente, parte de suas memórias estão registradas e permanecem vivas, como vivo permanece em nossos corações e em nossas memórias o Cine Argus.

Ademar dos Santos em Memórias do Cine Argus