Mais uma crônica de Amílcar Carneiro, dessa vez mostrando a relação do Cine Argus com o futebol. Era comum a formação de plateia em frente aos trilhos do trem para ouvir os jogos transmitidos pelos auto falantes do Argus. Os cinejornais e, mais tarde, os filmes com os melhores momentos dos jogos, atraíam grande público para o cinema de Seu Duca. Amílcar faz um passeio histórico interessantíssimo ao longo da história das copas do mundo, de 1930 a 2010, mostrando a relação entre o evento esportivo mais popular do planeta e o célebre cinema de Seu Duca. Mais uma curiosidade extraída das memórias de Amílcar Carneiro, em seus "Coisas de Cinema."
A Copa do Mundo e o Cinema
Por Amílcar Carneiro
A grande maioria dos
habitantes do planeta Terra vive ligada em um evento que acontece a
cada 4 anos, na Copa do Mundo de Futebol, competição criada por Jules Rimet,
presidente da FIFA, no distante ano de 1930. O Uruguai, primeiro país
sede, sagrou-se campeão. A “Celeste Olímpica” confirmava seu favoritismo
desbancando os europeus e fazendo a final com a Argentina. Naquele tempo, o
cinema, inventado pelos irmãos Lumiére já tinha conquistado o mundo, mas a
televisão não passava de um embrião nas experiências do russo Vladimir
Zworykin. Os jogos aconteciam e tempos depois chegavam as imagens nas telas dos
cinemas por meio dos cine jornais. Em 1934 na Itália e 1938 na França, a
“Esquadra Azurra” conquistou os dois títulos mostrando seu poderio. Em 1942 e
1946 foi imposta uma trégua ao futebol enquanto o mundo fazia sua segunda
grande guerra. A competição só voltaria a ser disputada em 1950 no Brasil, copa
que os brasileiros gostariam de esquecer, mas as câmeras estavam lá para
registrar a grande tragédia do nosso futebol, Uruguai 2x1 Brasil em pleno
Maracanã. Em 1954,na Suíça, a tragédia foi para a poderosa Hungria, do lendário Puskas, fortíssima candidadata ao título, mas que perdeu a final para a Alemanha Ocidental, a quem já tinha goleado
nas oitavas de final.
Na primeira copa vencida pelo Brasil,
em 1958, na Suécia, já havia uma estreita relação entre o Cine Argus e o
futebol, pois era comum em dias de grandes jogos, os mais aficionados ficarem
em frente ao cinema escutando o rádio que retransmitia através dos alto-falantes, os 90 minutos de partida.
Canal 100 e os principais acontecimentos do Brasil e do mundo.
Em 1962, no Chile, o Brasil foi bi
campeão e as imagens chegaram não no cine jornal, mas em um filme exclusivo
produzido pelos chilenos, era em preto e branco e mostrava todos os
gols da copa e mais os melhores momentos da final em que o Brasil derrotou a
Tchecoslováquia por 3 x 1. O filme foi um sucesso, a platéia aplaudia e
comentava como se fosse ao vivo. Em 1966, na Inglaterra, os súditos da rainha
queriam o título a qualquer custo, e conseguiram, foi produzido,
também, um longa metragem a cores intitulado
“Gol, A Copa do Mundo”. Mesmo com o Brasil desclassificado na primeira fase,
valia a pena ver as belas imagens coloridas que a TV ainda não podia mostrar.
Em 1970, ano do tri campeonato e última copa de Pelé, alguns estados do sul já
assistiram ao vivo a competição do México, enquanto que por aqui só
assistíamos ao vídeo tape no final da noite ou no outro dia. Mesmo assim o
filme produzido pelos mexicanos fez grande sucesso quando foi exibido no Cine
Argus. As imagens a cores e em câmara lenta em diferentes ângulos
arrancavam aplausos da platéia. Na copa seguinte, na Alemanha ainda dividida, as transmissões diretas e a TV a cores davam os primeiros sinais de
concorrência ao cinema. Em dias de jogos do Brasil o Argus ficava vazio, às
vezes nem tinha projeção, também não houve mais interesse em exibir o filme da
copa.
Em 1978 na Argentina, 82 na Espanha, 86
no México e 90 na Itália, era evidente o domínio da televisão, os cine jornais
já não eram mais nem produzidos, os filmes das copas eram vendidos ou locados
livremente em VHS ou DVD. Em 1994 quando o Brasil conquistou o tetracampeonato no
EUA, quase todos os cinemas do interior já tinham fechado as portas, o Argus
agonizava, fecharia no ano seguinte sem testemunhar o fiasco de 1998 na França
nem o sonhado “penta”, conquistado em solo asiático no ano de 2002, primeira
copa disputada simultaneamente em dois países, Japão e Coréia.
Na copa de 2006, de novo em solo
alemão, a Itália ganhou seu quarto título, a televisão mostrou em todos os
ângulos possíveis a cabeçada mais famosa da história, infelizmente não foi na
bola, mas no adversário, e manchou a brilhante carreira de Zidane, astro
francês que em duas copas atrapalhou o sonho brasileiro de conquistar mais um
título.
Na atual copa na Africa, primeira
naquele continente, a televisão dá um verdadeiro show na transmissão dos jogos.
Gruas, câmaras fixas, móveis e portáteis passeiam pelas quatro linhas do
gramado e pelo teto dos modernos estádios levando as melhores imagens, ao vivo,
para todo o planeta, coisa inimaginável até pelos visionários Jules Rimet,
Wladimir Zworykin e os irmãos Louis e Auguste Lumiére.
Na próxima copa do mundo, em 2016, que
volta a ser disputada na América do sul, exatamente aqui no Brasil, não será de
estranhar se jogadores e árbitros trouxerem embutida no uniforme, uma câmera,
algo do tamanho e peso de um botão, capturando incríveis imagens de alta
definição que serão mostradas em aparelhos de TV de última geração, com “tela
de cinema”.
Publicado originalmente na Revista Independente, em 2010.