Por ocasião da participação de Memórias do Cine Argus no 26º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, uma crítica super bacana sobre o filme foi publicado no site da Associação Cultural Kinoforum, entidade
sem fins lucrativos que realiza atividades e projetos e apóia o desenvolvimento da
linguagem e da produção cinematográfica com destaque para a promoção do
audiovisual brasileiro. A crítica é de Rafael Dornellas. Reproduzimos abaixo.
Memórias do Cine Argus: generosidade com o passado
Cidade de Castanhal, Pará: uma fusão entre o desbotado prédio
do antigo Cine Argus e uma loja de material de plástico é realizada sob o mesmo
enquadramento nos primeiros instantes do curta-metragem. A diferença entre as
imagens do velho e do novo é clara. Mais significativo do que sua aparência é
aquilo que é produzido nos dois tempos fundidos na transição: em um deles,
plástico; no outro, cinema. É desse contraste que Edivaldo Moura usufrui para
dar vazão a seu filme, e seu resgate à memória.
Não é a monumentalidade do prédio que é colocada em questão.
Não é um olhar monumentalizante. O choque inicial entre arcaico e moderno é
necessário para que se construa a partir de então a personalidade do antigo, ou
daquilo que restou das memórias passadas. Os frequentadores, funcionários,
seguranças, idealizadores, e todas as pessoas que de alguma maneira tiveram
alguma relação afetiva com o finado Cine Argus, têm seu depoimento registrado
no filme. E esse é um dos pontos centrais de Memórias do Cine Argus:
a relação de afetividade e de homenagem ao cinema, e particularizada neste
local específico, é sempre mediado através de pessoas, de suas falas.
O caráter humano se faz ainda mais necessário uma vez que é
estabelecido um embate crítico entre o arcaico e o moderno na primeira fusão
citada acima. O olhar se volta para o passado, para o humano. O edifício de
décadas atrás projetava filmes e resultava em um acontecimento social na
interação entre os moradores da cidade. Já o prédio novo é frio, empresarial.
Não havia outra maneira de abordar esse cinema de rua que
não essa, de entrega, de abertura sentimental, de uma percepção da necessidade
e importância de preservação da memória. O olhar generoso para o passado e para
o cinema faz desse um documento honesto acerca de um cinema de rua desativado,
e também de um momento histórico para um pequena cidade do Pará.
Sem idealizações gratuitas, os depoimentos também carregam
em sua impressão imagética o desgaste e reclusão pelo tempo. Antigas fotos dos
rostos jovens são intercaladas às rugas do tempo presentes, e o ponto máximo da
humanização desse olhar é o momento em que o filme se atém a falar sobre o seu
Duca (idealizador do cinema de rua de Castanhal) e como sua morte representou o
fim daquele cinema.
Então a reflexão: a defesa realizada pelos moradores da
cidadezinha de um cinema que possua sua recepção presente em tela grande, em um
ambiente em que haja interação coletiva, contrariamente à dispersão do vídeo.
Há, nas memórias dos entrevistados, a indicação de uma razão social presente
naquele cinema – a possibilidade de convívio que era estabelecida pela chegada
de um novo filme em cartaz, e a constatação de acuamento e reclusão perante o
mundo pós-moderno.
Ainda que a narração do diretor que abre e encerra o filme
possa parecer romantizada por demais, ela expõe sua honestidade perante o Cine
Argus da mesma forma que os moradores de Castanhal relatam sua relação com esse
cinema, da mesma forma também que nos são revelados os diversos cartazes de
filmes que passaram por ele, documentando e resgatando a memória – em que o
antigo, se não é idealizado em relação ao moderno, nos parece uma opção mais
humana, enraizada na experiência de participar de uma sessão no cinema assistindo
a filmes de cinema.
Por Rafael Dornellas
Disponível em: http://kinoforum.org.br/criticacurta/memorias-do-cine-argus-generosidade-com-o-passado/
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