Quando
o professor Adalberto de Moraes Filho (conhecido popularmente em Castanhal como
professor Betinho) foi procurado pela produção do filme Memórias do Cine Argus,
a intenção era ouvi-lo falar sobre as famosas sessões promocionais que, durante
um determinado período da história do cinema de Seu Duca, ajudaram estudantes e
movimentos religiosos a angariar recursos para a realização e participação de
eventos. Mas, o que encontramos em seu riquíssimo e divertido depoimento foi
bem mais que isso.
Professor Betinho em Memórias do Cine Argus (2014)
Uma
dos entrevistados mais presentes no curta-metragem, professor Betinho falou
sobre as influências dos filmes de faroeste no município. Segundo ele, as
semelhanças de Castanhal com os cenários dos westerns exibidos no Cine Argus
favoreceram a popularização desse gênero cinematográfico na cidade. “A gente
tinha uma cidade muito parecida com aquilo, porque
tinha uma estação ferroviária, tinha o trem, tinham os agricultores que traziam
seus cavalos nos dias de feira e deixavam esses cavalos amarrados próximos de
casa. Então, aquela estrutura daquele pau, com aquela madeira com a trava em
que amarravam os cavalos perfilados, né, um do lado do outro, parecia os filmes
de faroreste, parecia um saloon, né. Então, a gente tirava esses cavalos, ia
cavalgar com eles, eu levei até umas quedas de cavalo por causa dessas
brincadeiras", relembra aos risos.
Centro da cidade de Castanhal (1966)
Dentre
outras recordações, Betinho relata que uma diversões da garotada de sua rua
(ele morava na Barão do Rio Branco, próximo à Estação) era brincar de índio
quando da chegada da Maria Fumaça. A mulecada se pintava e fantasiava de índio,
correndo ao lado do trem e disparando suas flechas. As flechas do irmão de Betinho eram feitas com ponta de arte metálica de sombrinha. E espetava mesmo. Em uma dessas brincadeiras,
uma flecha que o irmão almejou para cima acabou acertando a cabeça de uma das crianças, que precisou ser levado ao Posto de Saúde para tirar a flecha. "A sorte é que só pegou no couro cabeludo", relembra.
Os
westerns estavam entre os maiores sucesso de público, principalmente até a
década de 70. Mas, o Cine Argus tinha uma programação bem diversificada, que
englobava outras cinematografias além da americana, como foi o caso do cinema
italiano (responsável pelos westerns spaghetti), do cinema japonês e do cinema
francês, além é claro, dos filmes nacionais. Sobre o cinema japonês, Betinho
recorda da beleza da fotografia dos filmes nipônicos exibidos nos dias de
quinta-feira para a colônia japonesa do município. O professor também
relata um período em que filmes franceses começaram a ser exibidos no Argus,
popularizando estrelas européias como Alan
Delon, Brigitte Bardeau e Charles
Bronson.
Casos engraçados são relembrados aos montes pelo professor. Como
as tentativas da garotada de enganar o Pati (porteiro do cinema) e furar a
fila, e a bagunça que acontecia quando uma cena era pulada na projeção ou a
fita quebrava.
Betinho relata que vai pouco ao cinema, alegando
problemas técnicas na projeção dos cinemas existentes em Castanhal. Por conta
disso, muitas vezes prefere ver os filmes em sua casa mesma, por conta das
limitações das salas. Cinéfilo de carteirinha, recorda do capricho de Seu Duca
com a qualidade técnica da projeção do Cine Argus. "Em
Castanhal tinha projetores para 16mm, 35mm e 70mm. Quando ia assistir um filme
do David Lynch, Seu Duca trocava as lentes, colocava as lentes apropriadas e projetava na largura do
próprio filme. Então, era uma qualidade técnica espantosa da projeção. E também
o cinema do Seu Duca tinha um som bom, não era ruim o som. Quando precisava do
som dolby, ele instalava as caixas laterais", recorda.
E,
é claro, não podíamos deixar de falar das sessões promocionais. Betinho era um
dos líderes do Grupo Focolares, da Igreja Católica. Quando o grupo precisava
enviar alguns de seus membros para um evento fora da cidade ou promover seus
próprios eventos, uma das alternativas para conseguir os recursos financeiros
necessários era alugar um filme no Cine Argus. O grupo ficava responsável pela
divulgação e venda dos ingressos e ficava com uma porcentagem da bilheteria. A
mesma estratégia era utilizada por turmas de estudantes que queriam promover
suas festas de formatura. Normalmente, esse tipo de exibição ocorria em dias de
sexta-feira. Alguns clássicos do cinema foram exibidos nessas sessões, como foi
o caso dos filmes Carruagens de Fogo, Doutor Jivago e Blade Runner.
Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982)
Algumas dessas histórias estarão presentes no documentário
de longa-metragem sobre o Cine Argus, que já foi finalizado e será em breve
exibido em Castanhal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário