quarta-feira, 6 de abril de 2016

Uma Cidade Parecida com os Faroestes

Quando o professor Adalberto de Moraes Filho (conhecido popularmente em Castanhal como professor Betinho) foi procurado pela produção do filme Memórias do Cine Argus, a intenção era ouvi-lo falar sobre as famosas sessões promocionais que, durante um determinado período da história do cinema de Seu Duca, ajudaram estudantes e movimentos religiosos a angariar recursos para a realização e participação de eventos. Mas, o que encontramos em seu riquíssimo e divertido depoimento foi bem mais que isso.

Professor Betinho em Memórias do Cine Argus (2014)

Uma dos entrevistados mais presentes no curta-metragem, professor Betinho falou sobre as influências dos filmes de faroeste no município. Segundo ele, as semelhanças de Castanhal com os cenários dos westerns exibidos no Cine Argus favoreceram a popularização desse gênero cinematográfico na cidade. “A gente tinha uma cidade muito parecida com aquilo, porque tinha uma estação ferroviária, tinha o trem, tinham os agricultores que traziam seus cavalos nos dias de feira e deixavam esses cavalos amarrados próximos de casa. Então, aquela estrutura daquele pau, com aquela madeira com a trava em que amarravam os cavalos perfilados, né, um do lado do outro, parecia os filmes de faroreste, parecia um saloon, né. Então, a gente tirava esses cavalos, ia cavalgar com eles, eu levei até umas quedas de cavalo por causa dessas brincadeiras", relembra aos risos.

Centro da cidade de Castanhal (1966)

Dentre outras recordações, Betinho relata que uma diversões da garotada de sua rua (ele morava na Barão do Rio Branco, próximo à Estação) era brincar de índio quando da chegada da Maria Fumaça. A mulecada se pintava e fantasiava de índio, correndo ao lado do trem e disparando suas flechas. As flechas do irmão de Betinho eram feitas com ponta de arte metálica de sombrinha. E espetava mesmo. Em uma dessas brincadeiras, uma flecha que o irmão almejou para cima acabou acertando a cabeça de uma das crianças, que precisou ser levado ao Posto de Saúde para tirar a flecha. "A sorte é que só pegou no couro cabeludo", relembra. 

Os westerns estavam entre os maiores sucesso de público, principalmente até a década de 70. Mas, o Cine Argus tinha uma programação bem diversificada, que englobava outras cinematografias além da americana, como foi o caso do cinema italiano (responsável pelos westerns spaghetti), do cinema japonês e do cinema francês, além é claro, dos filmes nacionais. Sobre o cinema japonês, Betinho recorda da beleza da fotografia dos filmes nipônicos exibidos nos dias de quinta-feira para a colônia japonesa do município. O professor também relata um período em que filmes franceses começaram a ser exibidos no Argus, popularizando estrelas européias como Alan Delon, Brigitte Bardeau e Charles Bronson.

Casos engraçados são relembrados aos montes pelo professor. Como as tentativas da garotada de enganar o Pati (porteiro do cinema) e furar a fila, e a bagunça que acontecia quando uma cena era pulada na projeção ou a fita quebrava.

Betinho relata que vai pouco ao cinema, alegando problemas técnicas na projeção dos cinemas existentes em Castanhal. Por conta disso, muitas vezes prefere ver os filmes em sua casa mesma, por conta das limitações das salas. Cinéfilo de carteirinha, recorda do capricho de Seu Duca com a qualidade técnica da projeção do Cine Argus. "Em Castanhal tinha projetores para 16mm, 35mm e 70mm. Quando ia assistir um filme do David Lynch, Seu Duca trocava as lentes, colocava as  lentes apropriadas e projetava na largura do próprio filme. Então, era uma qualidade técnica espantosa da projeção. E também o cinema do Seu Duca tinha um som bom, não era ruim o som. Quando precisava do som dolby, ele instalava as caixas laterais", recorda.

E, é claro, não podíamos deixar de falar das sessões promocionais. Betinho era um dos líderes do Grupo Focolares, da Igreja Católica. Quando o grupo precisava enviar alguns de seus membros para um evento fora da cidade ou promover seus próprios eventos, uma das alternativas para conseguir os recursos financeiros necessários era alugar um filme no Cine Argus. O grupo ficava responsável pela divulgação e venda dos ingressos e ficava com uma porcentagem da bilheteria. A mesma estratégia era utilizada por turmas de estudantes que queriam promover suas festas de formatura. Normalmente, esse tipo de exibição ocorria em dias de sexta-feira. Alguns clássicos do cinema foram exibidos nessas sessões, como foi o caso dos filmes Carruagens de Fogo, Doutor Jivago e Blade Runner.

Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982)
Algumas dessas histórias estarão presentes no documentário de longa-metragem sobre o Cine Argus, que já foi finalizado e será em breve exibido em Castanhal. 

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