Enquanto o longa-metragem Cine Argus, o Cinema de Seu Duca passa por seus ajustes finais e entra na contagem regressiva para sua estreia, Memórias do Cine Argus, o curta que lhe deu origem, continua sua carreira em festivais.
Dessa vez, nosso curta-metragem foi selecionado para o Festival de Cinema Brasileiro da Baixada Fluminense - Vercine, a ser realizada na cidade de Duque de Caxias - RJ em junho deste ano.
Blog de produção dos documentários "Memórias do Cine Argus" e "O Cinema de Seu Duca", que tem por objetivo resgatar, em diálogo com a sociedade, a história do cinema de rua que movimentou a vida cultural do município de Castanhal (PA) e influenciou diversas gerações ao longo de seis décadas, e a saga de Manoel Carneiro Pinto Filho, mais conhecido como Duca do Cinema.
sábado, 30 de abril de 2016
terça-feira, 19 de abril de 2016
Corte e (des)montagem
Mais uma crônica de Amílcar Carneiro, que comenta o importante trabalho de revisão de filmes, que no Cine Argus foi desenvolvido por funcionários como Sabá e Ademar. A tesoura é o grande símbolo de uma época em que o cinema prescindia dos esforços e habilidades de revisores de película para garantir a projeção de filmes danificados. Do apogeu ao declínio da atividade nos anos 80-90, com o fechamento em massa dos cinemas de rua, Amílcar relata com maestria mais essa curiosidade.
Corte e (des)montagem
Já dizia François Truffaut: a
única arte eminentemente cinematográfica é o corte e montagem. E explica: a
fotografia já existia, e a interpretação também, que veio do teatro. E é a pura
verdade. No principio o cinema era apenas o teatro filmado. Depois da
aprimoração da técnica, ou recurso, do corte e montagem é que o cinema
realmente ganhou personalidade, estilo próprio. Corte e montagem é uma
linguagem universal, tal como as notas musicais.
Mas o corte da película não seria
privilégio nem obrigação só dos montadores de um copião em laboratório. A
tesoura era presença obrigatória onde quer que estivesse uma película de
celulóide a ser exibida. Se a fita quebrava, tinha que ser emendada; e para
isso tinha que ser cortada de maneira que não fosse alterada a seqüência dos
fotogramas para não comprometer, também, o enquadramento na tela. Independente
de a fita quebrar ou não, a cada exibição se fazia necessária uma revisão na
mesma; caso houvesse algum risco ou estrago que comprometesse o fotograma, este
teria que ser retirado. Lá entrava de novo a tesoura e a cola.
Foto: Chico Carneiro
Todo operador de cinema tinha também
que ser revisor. Quando a fita era nova não havia problema. Mas nem sempre era
assim. Principalmente no interior, onde as fitas chegavam já com bastante tempo
de exibições quase que diárias, às vezes anos. Isso mesmo, anos. Até meados dos
anos 80, todo filme a ser exibido em território nacional recebia um certificado
de censura da policia federal com validade para cinco anos. Depois disso, se
houvesse interesse da distribuidora em renovar a censura, isso era feito por
mais cinco anos; caso contrário, as cópias eram recolhidas e incineradas.
As fitas muito rodadas chegavam por
aqui em estado lamentável de conservação. Vários fatores contribuíam para isso,
tais como: exibições constantes sem revisão, mau trato no enrolamento das
partes, exibições em projetores velhos e mal conservados e finalmente o próprio
descaso da maioria dos projecionistas, também chamados de operadores.
Um bom operador era também um bom
revisor. Alguns faziam verdadeiros milagres para exibir, sem problemas, cópias
completamente dilaceradas pelo uso. Dois dos melhores operadores que conheci
foram o Odílio e o Ademar. Ambos escolados pelo papai, que desenvolveu técnicas
pessoais de aproveitamento de fitas estragadas.
Toda companhia distribuidora de filmes
tinha uma sala de revisão com, no mínimo, quatro revisores. As grandes
companhias americanas levavam tão a sério a revisão, que tinham até um sistema
de contagem de fotogramas. Era uma maneira de forçar o exibidor a tratar bem da
fita. O filme saia para exibição em uma praça com tantos fotogramas em cada
parte. Havia uma certa tolerância de perda; a partir daí era cobrado do
exibidor determinado valor por cada fotograma perdido.
Sabá e os projetores do Cine Argus
Conheci as filiais de distribuidoras
norte americanas em Recife, no ano de 1982. Naquele tempo, ainda, as salas de
revisão ocupavam o maior espaço físico das distribuidoras. Algumas delas com
até oito revisores trabalhando ininterruptamente nos dois expedientes. Os
revisores emitiam o boletim de revisão, que era um documento tão importante
quanto obrigatório a acompanhar os filmes.
Fato interessante na história de emenda
de filmes é que era obrigatório o uso de uma cola especial à base de acetona; e
terminantemente proibido o uso de fita durex, procedimento muito usado por
alguns operadores. Se fosse encontrado algum vestígio de durex em uma cópia de
filme, o exibidor responsável pela falcatrua estaria fatalmente na lista negra
dos distribuidores.
Hoje, as fitas são emendadas com uma
fita durex especial. A própria película já não aceita mais as colas para
filmes. Parece que os pregadores de durex, como eram chamados os operadores que
não sabiam usar a cola, estavam certos.
Mas entre cola e durex, a tesoura
continuava indispensável junto ao celulóide. Ficou até famosa no tempo da
ditadura quando os filmes eram censurados e mutilados com cortes absurdos. Nos
certificados de censura emitidos pela Polícia federal, vinham detalhadas as cenas
a serem cortadas e até o motivos dos cortes. Lembro de alguns em filmes
nacionais: “cortar a cena em que o personagem principal atravessa uma rua e ao
fundo aparece uma favela”. Motivo: a mesma deturpa a realidade nacional.
“Cortar a cena da praça em que aparece um mendigo”. Motivo: o mendigo não tem
nada a ver com a história do filme.
Sabá operando os projetores do Cine Argus
Nos anos oitenta, quando surgiram os
filmes de sexo explícito, algumas distribuidoras de São Paulo, todas ditas
independentes (termo usado para distinguir distribuidoras particulares das
estrangeiras) usaram e abusaram da tesoura, fazendo trambiques com partes de
filmes. Eles pegavam seqüências mais ousadas de sexo em uma fita e encaixavam
em outras. Às vezes juntavam uma série de seqüências, inventavam um título e
estava pronto um novo filme. Eu, como exibidor, paguei o pato várias vezes:
simplesmente o público pensava que o dono do cinema é que era o responsável
pela prática desonesta.
Paralelo a isso, as grandes
distribuidoras norte americanas praticavam, cada vez mais, o sistema de
lançamento nacional. A ordem era faturar mais em menos tempo, com o aumento do
número de cópias para exibição. Assim os cinemas recebiam cópias sempre novas,
ficando mais fácil a tarefa de revisão de fitas. Com a diminuição de salas de
exibição, o final dos anos oitenta e inicio dos noventa marcou o fechamento em
massa dos cinemas do interior as cópias passaram a ter menor rotatividade,
diminuindo significativamente a necessidade de revisão, e por conseguinte o
número de revisores nas empresas distribuidoras. Houve uma grande crise de
desemprego na categoria. Empresas que mantinham até oito revisores em seu
quadro passaram a precisar de apenas um.
Em algumas delas, funcionários de outro setor passaram a acumular também
a tarefa de revisor. Em geral cartazistas ou remessistas ficavam com essa
tarefa. Prática muito comum entre as distribuidoras foi também a de unirem em
um só espaço o serviço de todas. Dessa maneira, apenas um funcionário de cada
setor servia a mais de uma empresa diminuindo custos. Uniram-se Columbia, Fox e
Warner em um só escritório, mantendo apenas um revisor para as três, que em
épocas anteriores mantinham, cada uma, entre quatro e oito revisores. A UIP,
que já agregava quatro gigantes da cinematografia: Metro, Universal, United e
Paramount, passou a manter apenas um gerente utilizando o espaço físico de uma
independente, a Aquárius, com apenas um funcionário para as tarefas de revisão,
embalagem e remessa de filmes.
O sistema de lançamento nacional –
alguns casos com mais de cem cópias em exibição simultânea – trouxe um novo
problema para as distribuidoras: a falta de espaço para guarda das mesmas.
Depois de exibidas, as cópias encalham; por serem volumosas fica cada vez mais
difícil o armazenamento. As filiais das distribuidoras receberam ordem para se
livrarem das cópias que já não tem mais onde serem exibidas mas não, antes, sem
um corte drástico. Um corte para desmontagem. Os rolos são cortados ao meio,
como pizzas, e jogados ao lixo. Dezenas e até centenas de cópias de um mesmo
filme são destruídas atualmente por este processo. Para partir o rolo ao meio,
se faz necessário uma ferramenta bem mais forte que a tesoura. É a machadinha.
Criou-se então uma nova função na cinematografia: cortador de fita. Mas não se
pense que houve geração de novos empregos. O cortador é o próprio revisor, que
na falta do que fazer com a tesoura, usa agora o machado.
Por Amílcar Carneiro
sexta-feira, 15 de abril de 2016
Histórias do Leitor
Volta e outra um leitor ou leitora (seja do blog, seja do facebook) entra em contato contando uma história interessante que vivenciou no Cine Argus e de alguma forma marcou sua vida. São as coisas mais diversas, interessantes e inusitadas possíveis: romances, micos, fatos históricos, engraçados, traquinagens... Algumas dessas pessoas foram entrevistadas e compartilham essas histórias em nosso documentário. Mas, muitas histórias não estão gravadas e não serão, portanto, contadas no filme. A lista de potenciais entrevistados/as era imensa e não cabia no mesmo.
Por isso, aproveitando o prestígio ao nosso blog e à página do filme no facebook, e com o intuito de garantir o registro do máximo de memórias possíveis sobre o Cine Argus, estamos criando um espaço semanal no blog/facebook chamado "Minha história com o Cine Argus". Leitores e leitoras interessados poderão enviar suas histórias, preferencialmente com alguma foto, para o email edivaldo.cinema@gmail.com. Sua história pode ser publicada e assim você estará contribuindo para o resgaste das memórias de nosso querido cinema. E se sua história for publicada, você ainda ganha um dvd do filme.
Mande sua história pra gente! Vamos adorar publicá-la! E com certeza muita gente vai curtir conhecê-la!
Por isso, aproveitando o prestígio ao nosso blog e à página do filme no facebook, e com o intuito de garantir o registro do máximo de memórias possíveis sobre o Cine Argus, estamos criando um espaço semanal no blog/facebook chamado "Minha história com o Cine Argus". Leitores e leitoras interessados poderão enviar suas histórias, preferencialmente com alguma foto, para o email edivaldo.cinema@gmail.com. Sua história pode ser publicada e assim você estará contribuindo para o resgaste das memórias de nosso querido cinema. E se sua história for publicada, você ainda ganha um dvd do filme.
Mande sua história pra gente! Vamos adorar publicá-la! E com certeza muita gente vai curtir conhecê-la!
Fotos: Chico Carneiro.
quinta-feira, 14 de abril de 2016
As Memórias de Pedro
Pedro Carneiro, o segundo filho de Duca e Nila, tem uma
participação modesta no curta-metragem Memórias
do Cine Argus. No curta, ele aparece em falas breves sobre os auto-falantes
do Argus e sobre a garotada que não tinha dinheiro para comprar o ingresso, mas
ia pra frente do cinema na expectativa de conseguir entrar. Contudo, em Cine Argus, o Cinema de Seu Duca, que
será lançada em breve, sua participação será bem maior.
Pedro Carneiro em Memórias do Cine Argus (2014)
O depoimento de Pedro é uma imensa colcha de retalhos,
costurada por meio de diversas lembranças a respeito do cinema, envolvendo os
assuntos mais variados, como o início da amizade do pai com Paulo Cavalcante
(que chegou em Castanhal em 1938 com um projetor Devry portártil e iniciou o
Cine Argus em parceria com Seu Duca, nos fundos de um armazém), os trabalhos
artesanais de produção das placas dos filmes, os bailes de carnaval realizados
no salão do Argus, os seriados, as sessões promocionais nas quais “senhoras e
senhoritas” não pagavam, a expansão do circuito da Empresa de Cinemas Argus
Ltda, o princípio de incêndio que forçou a família a não morar mais no prédio
do cinema... Ouvir Pedro Carneiro é fazer um passeio por vários acontecimentos do
Argus. Alguns sem grande aprofundamento (a memória é traída pelo tempo), mas
certamente todos dignos de nota. Várias dessas histórias serão recuperadas em Cine Argus, o Cinema de Seu Duca, nosso documentário que será lançado em breve.
Com esta post sobre Pedro Carneiro, encerramos a
apresentação dos 15 entrevistados do curta Memórias
do Cine Argus. Em próximas posts, apresentaremos novos entrevistados que se
somam a estes 15 para contar suas memórias no novo longa. Aguardem.
terça-feira, 12 de abril de 2016
Cine Argus, o Cinema de Seu Duca passa por Exibição-Teste
Na noite do dia 09 de abril de 2016, na casa de Amílcar
Queiros Carneiro, nosso documentário de longa metragem sobre o Cine Argus foi
exibido pela primeira vez, em versão ainda não definitiva, para uma pequena platéia,
formada por membros da família Carneiro e outros convidados. O objetivo foi
avaliar a recepção do público e ouvir críticas, a fim de preparar a versão
final do filme. Além do produtor do filme Amílcar Carneiro, estiveram presentes
o produtor e diretor Edivaldo Moura e o historiador do projeto cinematográfico Rafael
Santos.
Superando as expectativas, houve excelente receptividade ao
filme, que foi apresentado com um novo nome: Cine Argus, o Cinema de Seu Duca. Resultado de um projeto vencedor
do IV Prêmio PROEX de Arte e Cultura, da UFPA, o longa é derivado do
curta-metragem Memórias do Cine Argus.
Mas, ficou bem diferente do curta (à exceção do prólogo e do epílogo, que
permaneceram quase que inalterados) e ganhou personalidade própria. Não houve
comparação entre o longa e o curta, mas os comentários do público presente apontaram
que são filmes diferentes, cada qual com suas qualidades.
É certo que as
comparações e preferências existirão, mas o receio que havia sobre o longa
ficar cansativo e virar uma repetição estendida do que o curta já falava, parece
não existir mais. É possível que alguns prefiram o curta, mais sintético na
apresentação da história do Argus. E que outros gostem mais do longa, que
inicia contando as origens do cinema de Castanhal desde o encontro de Seu Duca
e Paulo Cavalcante no armazém de Seu Lins e Seu Anastácio, nos fundos dos quais
o Cine Argus projetou seus primeiro filme, e aborda assuntos inéditos no curta
e desenvolve outros pelos quais o Memórias
dava rápidas “pinceladas”. Mas, o certo é que são dois filmes diferentes,
embora compartilhem alguns trechos comuns.
Cine Argus, o Cinema
de Seu Duca ficou com 98 minutos, tempo que deve sofrer pequenas alterações
após a efetuação dos ajustes a partir das críticas do público presente. Em
breve, serão feitas exibições públicas do filme em Castanhal. Como diria o
pintor de cartazes e locutor de nosso inesquecível cinema: “Departamento de
Publicidade do Cine Argus. Não percam! Em breve, neste cinema, o filme Cine Argus, o Cinema de Seu Duca!
domingo, 10 de abril de 2016
Coisas de Última Hora
Manter um cinema funcionando no interior do estado nunca foi tarefa fácil. Quem acompanhou a programação de filmes do Cine Argus e de outros cinemas pertencentes ao circuito da Empresa Argus Ltda, não tem ideia das peripécias que Seu Duca fazia para garantir a exibição das obras cinematográficas em suas salas.
Na crônica abaixo, de Amílcar Carneiro, publicada originalmente em 2001, o filho de Seu Duca e exibidor do Cine Argus nos treze anos finais de sua existência relata as "coisas de última hora" que costumavam ser feitas para garantir a programação. Dentre as histórias, está a exibição simultânea do filme A Vida de Cristo simultaneamente nas cidades de Castanhal e Santa Izabel, com apenas uma cópia do filme, fazendo o revezamento das partes do filme. Uma das várias similaridades entre o Cine Paradiso e o Cine Argus. Esta história, inclusive, será contada no filme Cine Argus, o Cinema de Seu Duca, documentário de longa-metragem que será exibido em breve.
Coisas de Última Hora
Meu pai era pessoa muito organizada, que gostava das
coisas na hora certa e em seus devidos lugares, desde o local das escovas de
dente e de cada um a mesa, até o rígido horário das refeições diárias. Por
isso, era de se admirar, e muito, de como ele gostava de arriscar e improvisar
coisas de última hora em assuntos muito sérios como, por exemplo, marcar
estréia de filmes sem que o mesmo estivesse “em casa”, isto é, dependendo ainda de chegar de algum lugar e
deixando, nele mesmo, papai, uma expectativa desgastante. Ao longo de
vários anos, acompanhei com bastante frequência muitos episódios dignos de
deixar qualquer um com os nervos em frangalhos.
Na época em
que Castanhal dispunha apenas da energia fornecida pela prefeitura, ligada às
18 horas e encerrada às 23 horas, havia sempre no Cine Argus as sessões de fim
de semana, com dois filmes na programação e que terminavam por volta das 23
horas. A partir das 22: 30 – e dependendo do tamanho do rolo do filme que ainda
faltava rodar – começava o drama: será que vai dar tempo? Será que a luz vai
apagar antes? Por várias vezes me lembro de Ter ido até a usina de luz, de
bicicleta, pedir ao funcionário encarregado para retardar um pouco o
desligamento do motor, o que eles sempre atendiam com prazer sabendo que era
para o cinema (claro que eu sempre levava uma gorjeta para o plantonista da
usina).
Estréia de
filme que ainda ia chegar na cidade, perdi até a conta, tantas foram. Filme com
previsão de chegada em Belém às 18:30, estreando em Castanhal às 20 horas. Haja
coração e o pior era quando, vez por outra, não chegava. Aí o drama era para
quem estava em Belém aguardando, e para quem estava em Castanhal, quando a
situação era pior, já que tinha que explicar ao público o motivo do atraso. O
público, obviamente, não entendia. Como era possível anunciar um filme que
ainda não havia chegado?
Certa vez,
numa sexta-feira santa, foi exibido o filme “A Vida de Cristo” simultaneamente
em Castanhal e Santa Isabel, cidades distantes 30 km uma da outra, com uma só
cópia da fita, dividida em duas partes. A sessão começou em castanhal às 20
horas. Terminado a primeira parte, inicia a segunda parte em Castanhal,
enquanto meu irmão Chico Mou leva a primeira parte para Santa Izabel, de carro.
Volta a Castanhal para buscar a segunda parte da fita. Leva esta parte para
Santa Izabel e traz a primeira, para iniciar a segunda sessão de Castanhal.
Volta a Santa Isabel para buscar a segunda parte, e assim por diante.
Felizmente deu tudo certo, com os dois cinemas lotados, principalmente o de
Castanhal. Mas, bastaria um pneu furar para quebrar todo o esquema e gerar um
possível quebra-quebra nos cinemas.
Em um certo
dia de 5 de setembro de 1979, uma segunda-feira, eu ia chegando no Cine Argus e
logo papai me deu a chave do carro, com a seguinte ordem: vai lá em Bacabal-Ma
fazer procuração do filme “O Exorcista II” e leva para Imperatriz, sem falta,
que ele estréia lá amanhã. Eis o dinheiro da viagem, entra em Capanema e apanha
algum funcionário do Waldir para facilitar a busca do filme (Bacabal fica a 700
kms de Castanhal, era praça controlada pelo Waldir e o filme tanto podia estar
lá como podia estar em outra praça adjacente como Santa Inês, Codó, Pedreiras,
Lago da Pedra ou Peritoró).
Fomos eu e Tizeca, que na época vivia
encostado pelo Argus, fazendo serviços de mecânica e de motorista. Entramos em
Capanema e levamos o próprio Waldir. A ponte sobre o rio Gurupi havia tido
problemas e a travessia estava sendo feita por balsa, o que retardou muito a
viagem, já que chegamos em Bacabal depois da meia noite. O filme estava para
Codó e só retornaria de madrugada. Na manhã de terça-feira recebemos o filme e
seguimos para Imperatriz pela estrada que liga Santa Inês a Açailândia, na
época ainda em construção, com piçarra e em condições precaríssimas. Chegamos
em Imperatriz às 19 horas e o movimento em frente ao cine Marabá já era grande
e a estréia foi um sucesso. De volta a Castanhal no outro dia, fomos recebidos
pelo papai com a seguinte frase: “abasteçam e sigam para Tomé Açu levando estes
dois filmes, a estréia é hoje e parece que a balsa de Bujaru só funciona até as
sete da noite.” Emendamos para Tomé Açu onde a cena de Imperatriz se repetiu,
ou seja, uma multidão em frente ao cinema aguardando a chegada do filme.
Quando tudo
dava certo, era muito bom, gratificante, um verdadeiro final feliz. Mas nem
sempre era assim, e quando dava errado as conseqüências eram desastrosas, tanto
pela reação do público, que se considerava enganado, como para nós, os
exibidores que, além de amargar prejuízos, ainda passávamos, realmente, por
enganadores. Mas nem os trágicos desfechos serviam de lição, pois logo vinha
outra emergência para ser resolvida de última hora. Tinha-se a impressão, por
vezes, que o papai procurava fazer por onde se envolver nesses episódios
mirabolantes e estapafúrdios.
Noutra vez,
às 16 horas de um domingo, papai me mandou em São Miguel do Guamá buscar uma
lente projetora que lá estava sobrando e que ele iria levá-la, no mesmo dia,
para Icoaraci, a fim de instalá-la no Cine Ipiranga. O público de Icoaraci
estava prestigiando o cinema da Vila e merecia uma atenção melhor quanto a
qualidade da projeção, o que era uma preocupação permanente dele. Mas eu não
poderia retornar de São Miguel antes das 18 horas e o papai, na melhor das
hipóteses, teria que sair de Castanhal antes das 19 horas, a fim de ter tempo
para efetuar a troca da lente, já que a sessão começaria às vinte horas. Eu
realmente consegui ir a São Miguel e voltar em tempo hábil, pois cheguei em
Castanhal precisamente às 18:10, com tempo de sobra para a viagem a Icoaraci.
Aconteceu que eu, sem ter pedido maiores detalhes da lente, acabei trazendo o
equipamento errado. Quem bem conheceu o papai, pode imaginar o seu desabafo
naquela hora...
Em
Icoaraci, aliás, sobraram episódios de última hora. No inicio de 1973, um
incêndio destruiu o prédio, ficando em pé apenas as paredes, e a reforma durou
o ano inteiro. A reabertura ficou programada para o dia 23 de dezembro, um sábado.
Eu e o Gilberto, meu irmão, fomos nos juntar aos demais funcionários que lá
estavam trabalhando em ritmo acelerado. Klinger era o mestre de obras auxiliado
pelo Zé Quedinha e Mescouto e o Zé Preto funcionando também como cozinheiro.
Havia ainda um pedreiro e seu ajudante, de Icoaraci mesmo, que pavimentavam a
calçada. Minha missão, com o Gilberto, era a montagem das cadeiras, cujo plano
já tinha sido feito. Seriam três filas, uma central, com 6 cadeiras e duas laterais,
com 4 cadeiras cada uma. Seriam ao todo 14 cadeiras em cada fila, separadas por
dois corredores e nada mais havia a discutir em relação a isso. Começamos a
montagem, cabendo a mim as filas de 6 cadeiras e ao Gilberto as de 4. No grupo
de trabalho havia ainda o Baltazar que, de férias da Empresa São Luis, fazia a
instalação elétrica e o Ademar fazendo a montagem do projetor cinematográfico.
Na véspera
da inauguração, quando fomos colocar as cadeiras, já montadas, em suas
posições, elas não davam certo. Por um erro de cálculo do papai, os corredores
ficaram estreitíssimos, quase não sobrando espaço para circulação. Foi um Deus
nos acuda, toda a mão de obra disponível foi usada para refazer todo o trabalho
de remontagem das cadeiras. Viramos a noite toda e no dia seguinte, quando a
bilheteria abriu, nós ainda estávamos improvisando a colocação das últimas
filas. O público entrando e vendo a gente apertar os últimos parafusos.
Ainda
durante todo o ano de 1974, como o cinema de Icoaraci não tinha gerente nem
operador fixo, nós passamos boa parte do ano levando todo dia um operador e, às
vezes, o próprio filme. Saíamos de Castanhal entre 17 e 18 horas para retornar
depois da projeção. Muitas das vezes eu ia cedo para Belém cumprir os afazeres
de praxe e de lá emendava para Icoaraci. De Castanhal seguia o operador Ademar,
de ônibus. Isso diariamente, por mais de um ano. Ou seja, um prato cheio para
as “ocorrências de última hora”.
Mas parece
que, não contente com tanto improviso, certa vez (um domingo, para não fugir à
regra) eu ia saindo de Castanhal com o Ademar e com o Tarabian levando, para
ser exibido em Icoaraci, o filme “Os Saltimbancos Trapalhões”, a maior
bilheteria da temporada. Papai, como sempre querendo agradar ao público que
prestigiava o cinema, resolveu que nós levaríamos um retificador Phillips, para
melhorar a projeção. A operação era simples, ao chegar lá, bastava desconectar
os cabos do retificador que estava em funcionamento e conectar ao Phipllips e
estaria tudo resolvido. E lá fomos nós com o tal retificador dentro de uma
Variant. Para quem não sabe, um retificador Phillips é do tamanho de uma
máquina de lavar roupa, mas o peso é equivalente ao de seis sacos de cimento,
isso mesmo, cerca de 300kgs.
Chegamos cedo em Icoaraci, por volta
das 4 da tarde. No cinema não havia ninguém para nos ajudar, tivemos que ir em
busca de dois funcionários e começamos a retirar o mondrongo do carro lá pelas 5 da tarde. Carregar um
peso na horizontal até que não é muito difícil mas na vertical e ainda mais no
sentido de baixo para cima é uma tarefa lenta e exaustiva. Pois o tal
retificador tinha que ser levado para a cabine de projeção, pois ele precisa
ficar ao lado do projetor. E a escada de acesso à cabine do cinema de Icoaraci
possuía 16 degraus e era bastante íngreme, além de ser, também, muito
estreita.. Só dava para trabalhar quatro pessoas de cada vez, duas por cima e
duas por baixo. Eu me lembro que fiquei completamente molhado de suor e já sem
forças quando alguém avisou que a multidão para comprar ingressos já era
grande. Foi aí que me dei conta de que já eram 19 horas, a sessão começaria às
20h e nós ainda estávamos na metade da escadaria.
O cinema
ficou superlotado e a sessão começou com atraso. Mas, por algum motivo que não
deu pra descobrir na hora, o poderoso retificador Phillips simplesmente não
funcionou e pegou fogo. Tivemos que religar o antigo equipamento, que
felizmente deu conta do recado. Pior do que a frustração de ter tido tanto
trabalho para nada foi ficar ouvindo o Ademar repetir: “eu já disse pro Seu
Duca: não adianta fazer coisas de última hora”.
Mas as
“coisas de última hora” continuariam. Pareceu mentira, mas uma vez eu e o
Josias fomos à Imperatriz com a missão de sacar um dinheiro na Caixa Econômica,
que fechava as 13 horas. Naquele tempo os serviços bancários eram demorados e
papai precisava do dinheiro no outro dia. Saímos de Castanhal às 9 da manhã, o
carro era um Passat novinho em folha. A estrada, felizmente, estava um tapete,
recém asfaltada. Chegamos em Imperatriz faltando cinco minutos para a Caixa fechar e deu tudo
certo. Mas é de se perguntar: até que ponto valeria o risco se algo saísse
errado? O certo é que, neste caso, valeu.
Eu sempre
me dizia que, se um dia viesse a tomar conta da empresa, jamais faria por onde
ter que me sacrificar ou a outras pessoas fazendo essas tais “coisas de última
hora”, tão desgastante para todos os que participam, direta ou indiretamente.
Mas não teve jeito, acabei fazendo pior. Parece que a atividade de exibição no
interior é que levava a isso. Ou então seria mesmo a nossa índole?
No segundo
semestre de 1982, eu arrendei o cinema de Redenção. O filme escolhido para a
reinaguração foi “Os Trapalhões e o Rei do Futebol”. Eu já estava em Redenção
na véspera da abertur, mas o filme ainda estava em Macapá. Só havia um jeito de
fazer o filme chegar a tempo em Redenção: por via aérea. O filme chegaria em
Belém por volta das seis da manhã, Mescouto o receberia e imediatamente o
despacharia pela Votec para Conceição do Araguaia. O vôo era um pinga-pinga que
só chegaria em Conceição do Araguaia por volta das 15 horas. Como as estradas
estavam em condições precárias, eu fretaria um avião em Redenção, distante 100 quilômetros,
para ir buscar o filme. Assim foi feito. O tempo de vôo era cerca de 20
minutos. O avião fretado era de garimpo e só tinha a cadeira do piloto. Eu fui
sentado no chão e voltei sentado no filme.
A estréia
foi um sucesso e a renda deu pra pagar, com sobras, as grandes despesas feitas.
Era mais um cinema que reabria graças às inevitáveis manobras “de última
hora”.
Amílcar
Carneiro em 03.02.2001.
quarta-feira, 6 de abril de 2016
Uma Cidade Parecida com os Faroestes
Quando
o professor Adalberto de Moraes Filho (conhecido popularmente em Castanhal como
professor Betinho) foi procurado pela produção do filme Memórias do Cine Argus,
a intenção era ouvi-lo falar sobre as famosas sessões promocionais que, durante
um determinado período da história do cinema de Seu Duca, ajudaram estudantes e
movimentos religiosos a angariar recursos para a realização e participação de
eventos. Mas, o que encontramos em seu riquíssimo e divertido depoimento foi
bem mais que isso.
Professor Betinho em Memórias do Cine Argus (2014)
Uma
dos entrevistados mais presentes no curta-metragem, professor Betinho falou
sobre as influências dos filmes de faroeste no município. Segundo ele, as
semelhanças de Castanhal com os cenários dos westerns exibidos no Cine Argus
favoreceram a popularização desse gênero cinematográfico na cidade. “A gente
tinha uma cidade muito parecida com aquilo, porque
tinha uma estação ferroviária, tinha o trem, tinham os agricultores que traziam
seus cavalos nos dias de feira e deixavam esses cavalos amarrados próximos de
casa. Então, aquela estrutura daquele pau, com aquela madeira com a trava em
que amarravam os cavalos perfilados, né, um do lado do outro, parecia os filmes
de faroreste, parecia um saloon, né. Então, a gente tirava esses cavalos, ia
cavalgar com eles, eu levei até umas quedas de cavalo por causa dessas
brincadeiras", relembra aos risos.
Centro da cidade de Castanhal (1966)
Dentre
outras recordações, Betinho relata que uma diversões da garotada de sua rua
(ele morava na Barão do Rio Branco, próximo à Estação) era brincar de índio
quando da chegada da Maria Fumaça. A mulecada se pintava e fantasiava de índio,
correndo ao lado do trem e disparando suas flechas. As flechas do irmão de Betinho eram feitas com ponta de arte metálica de sombrinha. E espetava mesmo. Em uma dessas brincadeiras,
uma flecha que o irmão almejou para cima acabou acertando a cabeça de uma das crianças, que precisou ser levado ao Posto de Saúde para tirar a flecha. "A sorte é que só pegou no couro cabeludo", relembra.
Os
westerns estavam entre os maiores sucesso de público, principalmente até a
década de 70. Mas, o Cine Argus tinha uma programação bem diversificada, que
englobava outras cinematografias além da americana, como foi o caso do cinema
italiano (responsável pelos westerns spaghetti), do cinema japonês e do cinema
francês, além é claro, dos filmes nacionais. Sobre o cinema japonês, Betinho
recorda da beleza da fotografia dos filmes nipônicos exibidos nos dias de
quinta-feira para a colônia japonesa do município. O professor também
relata um período em que filmes franceses começaram a ser exibidos no Argus,
popularizando estrelas européias como Alan
Delon, Brigitte Bardeau e Charles
Bronson.
Casos engraçados são relembrados aos montes pelo professor. Como
as tentativas da garotada de enganar o Pati (porteiro do cinema) e furar a
fila, e a bagunça que acontecia quando uma cena era pulada na projeção ou a
fita quebrava.
Betinho relata que vai pouco ao cinema, alegando
problemas técnicas na projeção dos cinemas existentes em Castanhal. Por conta
disso, muitas vezes prefere ver os filmes em sua casa mesma, por conta das
limitações das salas. Cinéfilo de carteirinha, recorda do capricho de Seu Duca
com a qualidade técnica da projeção do Cine Argus. "Em
Castanhal tinha projetores para 16mm, 35mm e 70mm. Quando ia assistir um filme
do David Lynch, Seu Duca trocava as lentes, colocava as lentes apropriadas e projetava na largura do
próprio filme. Então, era uma qualidade técnica espantosa da projeção. E também
o cinema do Seu Duca tinha um som bom, não era ruim o som. Quando precisava do
som dolby, ele instalava as caixas laterais", recorda.
E,
é claro, não podíamos deixar de falar das sessões promocionais. Betinho era um
dos líderes do Grupo Focolares, da Igreja Católica. Quando o grupo precisava
enviar alguns de seus membros para um evento fora da cidade ou promover seus
próprios eventos, uma das alternativas para conseguir os recursos financeiros
necessários era alugar um filme no Cine Argus. O grupo ficava responsável pela
divulgação e venda dos ingressos e ficava com uma porcentagem da bilheteria. A
mesma estratégia era utilizada por turmas de estudantes que queriam promover
suas festas de formatura. Normalmente, esse tipo de exibição ocorria em dias de
sexta-feira. Alguns clássicos do cinema foram exibidos nessas sessões, como foi
o caso dos filmes Carruagens de Fogo, Doutor Jivago e Blade Runner.
Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982)
Algumas dessas histórias estarão presentes no documentário
de longa-metragem sobre o Cine Argus, que já foi finalizado e será em breve
exibido em Castanhal.
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