ESSA NÃO, SABÁ!
Por Amílcar Carneiro
Era com esse
desabafo que Isidoro Batista, o popular Capiti extravasava todo seu
descontentamento com as cenas exageradas dos filmes de ação, as famosas
‘’mentiras’’, quando cavalos venciam precipícios, motos voavam, mocinhos
escapavam ilesos de explosões, e outros exageros hollywoodianos que alegravam
uma grande maioria, mas despertavam sentimentos céticos nos cinéfilos mais
entendidos
Naquele tempo não havia a
facilidade de hoje quando os filmes em DVD trazem embutido o “making of”,
curiosidades, detalhes da produção e outras informações que a maioria até
despreza. Sobressaia, então, a magia do truque, a fantasia que encantava e
provocava reações diversas da platéia e não
era rara a expressão ôh mentira! Hoje em dia a técnica dos
efeitos especiais rivaliza e até supera o enredo ou o ritmo do filme, os
próprios ídolos são relegados a coadjuvantes, o dono do espetáculo passa a ser
o efeito de computação gráfica. Mas, voltando ao Capiti e seu ‘grito de
guerra’... Essa não, Sabá... Sabá era o hipocorístico de Sebastião
Guimarães, um dos funcionários do Cine Argus, ele era projecionista, ou
simplesmente “operador” como é conhecida a profissão nos meios
cinematográficos. E o operador de cinema tem lá suas semelhanças com juiz de
futebol, não pela autoridade, mas pelos insultos que recebe da platéia. Se a tela
escurecesse surgia um sonoro -acorda F...da P..., se falhasse o som a
cobrança era outra, - liga o rádio
ladrão. Se a fita quebrasse, então
era um Deus nos acuda, os mais abusados chegavam a jogar objetos em direção à
cabine, obrigando intervenções enérgicas do dono do cinema. Capiti era um
freqüentador assíduo do Cine Argus, gostava de comentar os filmes, elogiava
interpretações e detestava canastrões (considerava Vitor Mature, o maior de
todos), ele não pagava ingresso pois era quase funcionário, dono de uma voz
incomum, divulgava os filmes no estúdio que ele chamava ‘’Departamento de
Publicidade do Cine Argus’’ citando frases eloqüentes criadas pelo seu Duca ou aproveitadas dos
trailers ou cartazes dos filmes. Capiti tinha um grande defeito, o alcoolismo.
Quando bebia se transformava, ficava inconveniente, violento e quase sempre
terminava seu porre na delegacia.
Nesse dia ele
havia bebido e assistia à sessão da tarde, o filme era policial e tinha uma
eletrizante seqüência de perseguição de motos, o ator principal cruza um
pequeno rio num salto espetacular, Capiti, inconformado com o exagero da cena,
vociferou em direção da cabine de projeção:-Essa não Sabá, outra mentira
dessa e eu vou aí tomar umas providências.
O pacato operador, que conhecia muito bem o crioulo,
limitou-se a passar a chave na porta da cabine e torcer para que não
acontecesse nem uma “mentira” mais exagerada até o final do filme.
Publicada originalmente na Revista Independente.
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