domingo, 7 de fevereiro de 2016

Essa não, Sabá!

Os exageros das cenas de ação dos filmes de Hollywood, os comentários de Isidoro Batista (mais famoso locutor do Cine Argus e protagonista do Show de Calouros) e as broncas da platéia em cima do pobre projecionista Sabá. Confira mais uma crônica super especial de Amílcar Carneiro.


ESSA NÃO, SABÁ!

Por Amílcar Carneiro

Era com esse desabafo que Isidoro Batista, o popular Capiti extravasava todo seu descontentamento com as cenas exageradas dos filmes de ação, as famosas ‘’mentiras’’, quando cavalos venciam precipícios, motos voavam, mocinhos escapavam ilesos de explosões, e outros exageros hollywoodianos que alegravam uma grande maioria, mas despertavam sentimentos céticos nos cinéfilos mais entendidos
         Naquele tempo não havia a facilidade de hoje quando os filmes em DVD trazem embutido o “making of”, curiosidades, detalhes da produção e outras informações que a maioria até despreza. Sobressaia, então, a magia do truque, a fantasia que encantava e provocava reações diversas da platéia e não  era rara a expressão ôh mentira! Hoje em dia a técnica dos efeitos especiais rivaliza e até supera o enredo ou o ritmo do filme, os próprios ídolos são relegados a coadjuvantes, o dono do espetáculo passa a ser o efeito de computação gráfica. Mas, voltando ao Capiti e seu ‘grito de guerra’... Essa não, Sabá... Sabá era o hipocorístico de Sebastião Guimarães, um dos funcionários do Cine Argus, ele era projecionista, ou simplesmente “operador” como é conhecida a profissão nos meios cinematográficos. E o operador de cinema tem lá suas semelhanças com juiz de futebol, não pela autoridade, mas pelos insultos que recebe da platéia. Se a tela escurecesse surgia um sonoro -acorda F...da P..., se falhasse o som a cobrança era outra,  - liga o rádio ladrão. Se a fita quebrasse,  então era um Deus nos acuda, os mais abusados chegavam a jogar objetos em direção à cabine, obrigando intervenções enérgicas do dono do cinema. Capiti era um freqüentador assíduo do Cine Argus, gostava de comentar os filmes, elogiava interpretações e detestava canastrões (considerava Vitor Mature, o maior de todos), ele não pagava ingresso pois era quase funcionário, dono de uma voz incomum, divulgava os filmes no estúdio que ele chamava ‘’Departamento de Publicidade do Cine Argus’’ citando frases eloqüentes  criadas pelo seu Duca ou aproveitadas dos trailers ou cartazes dos filmes. Capiti tinha um grande defeito, o alcoolismo. Quando bebia se transformava, ficava inconveniente, violento e quase sempre terminava seu porre na delegacia.
Nesse dia ele havia bebido e assistia à sessão da tarde, o filme era policial e tinha uma eletrizante seqüência de perseguição de motos, o ator principal cruza um pequeno rio num salto espetacular, Capiti, inconformado com o exagero da cena, vociferou em direção da cabine de projeção:-Essa não Sabá, outra mentira dessa e eu vou aí tomar umas providências.
O pacato operador, que conhecia muito bem o crioulo, limitou-se a passar a chave na porta da cabine e torcer para que não acontecesse nem uma “mentira” mais exagerada até o final do filme.

Publicada originalmente na Revista Independente.

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